sexta-feira, 4 de abril de 2014

Elaine Arruda no Instituto Tomie Ohtake. A Gravura Paraense em Cena.


Elaine Arruda no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 2014

Por Armando Sobral

A Poucos Metros do Mercado do Sal

A poucos metros do Mercado do Sal, região portuária às margens do rio Guamá, encontra-se a oficina Santa Terezinha, empreendimento tradicional que há décadas oferece trabalhos em fundição, peças de reposição de motor para barcos e serviços variados com placas e artefatos de metal. Quem adentra o espaço depara-se com maquinários pesados enfileirados, alguns funcionários dispersos e, com um pouco mais de atenção, o movimento discreto de um grupo de jovens artistas manipulando grandes chapas de zinco nos fundos do velho galpão; o visitante tampouco suspeitará o que os motiva a se debruçarem sobre aqueles painéis metálicos cobertos de incisões. A Santa Terezinha representa a primeira etapa desse insuspeito trabalho, as lâminas ainda devem chegar à oficina A Reconstrutora em outro ponto da cidade, no antigo bairro operário de Belém, o Reduto, onde finalmente desvelam-se: as castigadas lâminas de zinco transformam-se em matrizes que impregnam longos papéis com densos e vigorosos sinais convertendo-os em uma única estampa cuja escala foi poucas vezes experimentada na gravura contemporânea. O trajeto é significativo para a artista, proporciona o contato com atividades intimamente associadas à cultura ribeirinha através das metalúrgicas artesanais; reavalia e expande seus métodos de trabalho com a gravura em metal sem afastar-se dos princípios que norteiam sua prática. Seu gesto anima uma saudável divagação sobre a gravura e suas origens, ou a renovação de seus fundamentos através de um retorno às origens - a gravura em metal surge nos ateliês dos armeiros e prateiros medievais. Elaine vai ao encontro das oficinas navais e incorpora o conhecimento e ferramentas dos funileiros aos processos diretos da gravura em metal; apropria-se de seus equipamentos e produz gravuras em escalas monumentais apoiada em uma rede de colaboração e compartilhamento de experiências – seu ato de criação é uma ação coletiva.
A gravura sempre esteve associada à íntima relação com a leitura. A partir dos anos 50, período marcado pelo surgimento do movimento abstrato no Brasil e ruptura com o modernismo, Maria Bonomi imprime a essa modalidade artística um caráter monumental; reage ao universo soturno da gráfica expressionista com xilogravuras luminosas e coloridas em grandes formatos – pode-se dizer, de maneira figurada, que retira a estampa da mesa e a coloca na parede. Em certo sentido Elaine reage com imodéstia, porém sua inquietação não contrapõe-se a um modo dominante de pensar e produzir a gravura, sucede das potencialidades encontradas em seu campo de experimentação material e das indagações ao impacto produzido pela paisagem. Seu ponto de vista não é do observador apartado, do retratista das atmosferas distantes; desloca-se para o centro dos acontecimentos. Sua experiência resulta de tal imersão , e o corpo é o abrigo.
Procede de modo significativo, perfila diversas placas de zinco e as ataca com ponteiras, machadinhas, fogo e ácido. Conduz as ferramentas em movimentos enérgicos até a exaustão da matriz; perfura, corta e risca o metal orientada pelo trânsito permanente de impressões mentais que são transmitidas em ato. Não planeja a forma, prepara o campo para que o corpo percorra em fluxo contínuo o extenso plano de gravação. Salto profundo e radical que devolve à estampa toda a determinação do gesto.
Atualmente, suas gravuras encontram paridade com a obra gráfica de outro jovem artista, Fabrício Lopes; ambos renovam o caminho iniciado por Maria Bonomi há mais de cinquenta anos,  em intensidade, escala e potência. Diante de tamanho mergulho não deixamos de nos pronunciar: é potência, arrebatamento. Não daria para ser diferente.

Belém, janeiro de 2014


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