segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Duo Very Well / Projeto XiloMambembe no Porto do Sal e no Arte Pará


Por Véronique Isabelle  
"O Porto do Sal está localizado no bairro Cidade Velha, arrabalde mais antigo da cidade de Belém, à margem das construções patrimoniais e da intensa paisagem insular da baía de Guajará. 
O Porto do Sal é um universo complexo que concentra em si várias realidades características da cidade, além de possuir uma forte relação com a pesca artesanal e com as culturas ribeirinhas da região que transitam nele. Esse lugar cultiva a ambigüidade fundamental dos portos: entre a terra e a água, as idas e vindas cotidianas das pessoas, o dia colorido e intenso, a noite escura e perigosa.
Nos dias de semana – dependendo da direção do vento - predomina no fundo do ar do Porto do Sal o cheiro do café torrado que provém da fabrica de café Lider, situada no lado do Mercado. Um cheiro bom substituído no final de semana pelo da carne assada e macerada no cominho e no alho do churrasco do Dinho.
O Mercado do Porto do Sal, que fica no final da Rua Gurupá, é um lindo prédio com seus detalhes de flores de cardo inseridos na sua arquitetura de estilo mauro e torna-se a principal porta de entrada (pela terra) na comunidade. O Mercado, inaugurado pelo então Governador Magalhães Barata em 1933, servia para a comercialização do Peixe Salgado que na época, era beneficiado em Belém.
Tem sempre água parada na vala em frente do mercado, onde bebem os cachorros do porto. Na entrada do mercado sentam homens num banco de madeira, taxistas e outros, que acompanham as idas e vindas das pessoas. Atravessando primeiramente uma mistura estranha de odores compostos de alho, frutas quentes e verduras com o cheiro da gordura rançosa que impregnou a pedra do balcão do açougue; do sangue da carne pendurada; dos ovos fritos e da criolina. O movimento lento das pessoas ondula entre os diversos “boxes” que abrigam os comerciantes que vendem produtos comuns, comidas, bebidas, alimentos; e também a vendedora do jogo do bicho, o cabeleireiro e o reparador de relógios.
O tempo muda quando atravesso o mercado, penetramos num outro ambiente ruidoso e denso, marcado pelas batidas de martelo no ferro e pelo ritmo frenético do tecnobrega. O que era a ponte principal do Porto do Sal - e a continuação do Mercado - foi pouco a pouco enterrado. Os boxes antigos onde se vendia o peixe salgado, os alimentos e as mercadorias se tornaram bares e fábricas diversas que trabalham principalmente com o metal. O som surdo da água que batia por baixo da ponte até o mercado foi substituído pelo das máquinas roendo o metal e por gritos diversos dos trabalhadores, das crianças, das mulheres... 
As várias pontes (sete) que compõem a paisagem do Porto do Sal têm todas um dono e um clima próprio em relação às atividades portuárias que acolhem em diferentes ritmos. Tem barcos de vários tamanhos, que viajam nos interiores para fazer comércio e trazer passageiros ou ainda barcos de pesca. Pertence a essa paisagem o som surdo dos carrinhos que carregam o peso das mercadorias e andam nos trilhos até os barcos para viajar; os passos das pessoas que ressonam nas madeiras da ponte; o sopro do vento quente na baia; o ruído dos motores de barcos; o cheiro da madeira da ponte no sol, das redes para pescar que ainda carregam o cheiro do peixe e da água salgada.
O intervalo irregular entre as tábuas de madeira que cobrem as pontes e a sombra que produzem na água; as infinitas cordas nos barcos; as hastes, as redes de pesca; ritmos (ir)regulares e repetidos dos gestos dos carregadores, dos marceneiros, dos homens que tecem as redes, inscrevem um tempo na paisagem.
Os corpos são construídos pelo trabalho; posso reconhecer os pescadores ao ver as mãos calejadas, grossas e duras deles da manipulação das redes pesadas. É um universo predominantemente masculino. Tem o cheiro do suor, da pele. O uso bruto das cores contrastantes e vivas dos barcos, das casas de madeira, do acúmulo de peças de barco, das diferentes texturas encontradas se mistura criando uma visualidade rica e intensa. Não se procura uma harmonização estável, a estética segue uma necessidade, uma funcionalidade. O acúmulo de detritos e de restos: de madeira, de plástico, de metal, isopor e cordas têm uma potencialidade de uso. Não se tornam lixos. A ordem não está associada à estabilidade das coisas, mas resulta num dinamismo: o caos gera novas ordens. A instabilidade da paisagem pela sua constante transformação acha seu equilibro no movimento. 
Finalmente, a maré também impõe seu ritmo. Quando enche, domina o som da água batendo na estrutura da ponte e os barcos retomam seus balanços e quando seca, os barcos descansam e revela-se uma paisagem de lama ocre, cor de rio, onde a terra e a água se confundem numa coisa só. Neste húmus rico onde brotam as historias do lugar, revelam-se os fragmentes de memória dos barqueiros, dos moradores e dos viajantes."                                                                  
                                                                                               



3 comentários:

  1. No texto... senti um pouco deste porto.
    Muito bom.
    Abraços a todos,
    Ulysses.

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  2. A seleção de imagens também mostra o "bafo" que deve ser esse lugar... de passagens de cargas.
    Escrever ali deve ser uma EXPERIÊNCIA!

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  3. percebe-se uma certa relação artístico cultural, com a população local. Parece ser maravilhoso. Parabéns artistas!

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